quarta-feira, 12 de julho de 2017

do tempo

não sei se tu te lembras quando era tarde
todos os dias a gente marcava de se encontrar em algum lugar depois do trabalho.
tinham dias que eram insuportavelmente frios e noutros eu tava com cara de poucos amigos.
naquela época a gente já se chamava de amigos, o que de fato, nós éramos e sempre fomos
a gente nem repara na quantidade de coisa, gente, ônibus, plano ou dinheiro que poderia ter na volta
porque a gente já era amigo.
a gente já podia sentar  num banco de praça todo dia depois do trabalho e não precisar falar
porque a gente já era amigo.
me lembro que foi nessa época a gente nem gostava dos nossos empregos,
éramos duas crianças, duas pessoinhas que nada sabiam mas que sabiam que todo dia era dia de marcar de se encontrar naquela praça e conversar.
às vezes nem era conversar.
O que de interessante duas pessoinhas teriam pra falar?
De quanto achavam que era confortável e seguro ter alguém com quem ficar em silêncio no meio de uma praça escura?
Pois bem.
me lembro também que nessa época a gente achava que não sabia de nada
e hoje eu tenho certeza que eu não sabia de nada e que não sei de nada até hoje.
apenas o que sei é que a gente era amigo
e gostava de dividir o tempo fora de casa juntos
porque era bom ter um silêncio cúmplice ali repartido um com o outro.
porque era engraçado e era estranho ter criado esse mundo paralelo de amigos que a gente criou.
sabe? até hoje não sei se tu entende que a gente tinha um mundo só nosso.
Só nosso, cara.
Lembra?
Onde a gente inventava o que era necessário ter e saber.
onde a comunicação era de silêncio-cúmplice. unicamente silêncio-cúmplice.
e o tempo? o tempo nem existia.
porque a nossa coisa é de parar no tempo.
tu és o meu caro amigo do tempo.
nele eu te vejo.
no tempo.
e foi dificil depois de todos esses anos, meu amigo, todos esses anos em que a gente permanece amigo.
você ainda é meu amigo, lembra?
é porque o tempo fora da praça foi outro.
mesmo quando eu sento em outro banco por cinco segundso, eu penso no tempo de lá.
sério, meu camarada.
a gente era muito amigo e aquele universo era único.
memorável.
sempre que eu voltava pra casa, eu colocava a mão no bolso e pensava: Eu esqueci o meu relógio.
porque o meu amigo do tempo não deixa o tempo passar
ele permanece comigo
ele ficou
ele continua comigo toda vez que eu me olho no espelho e assumo que ainda sou uma criança do tempo do meu amigo do tempo.
meu amigo, porque tu não apareces mais naquele nosso mesmo horário?
a gente ainda é amigo, eu só perdi a hora.

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